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terça-feira, 26 de janeiro de 2010

"Maravilhoso mundo novo", de António Manuel Revez (com prefácio de Filipe S. Tenreiro)


Pudesse um novo mundo não ser tão infalivelmente condenado à voracidade do poder burocrático, à miséria da desumanização celebrada por uma moral sacerdotal, à nostalgia dos prazeres autênticos, ao esquecimento dos afectos mais edificantes, à glorificação do pensamento único e já seria quase maravilhoso.
“Maravilhoso mundo novo” é uma distopia ou anti-utopia posta em caricatura futurista de uma realidade que sentimos, às vezes, já a morder-nos os calcanhares. O trágico e o cómico embrulham-se para denunciar um colectivo que, no passado e no presente, muitas organizações ainda imitam ou tendem, infelizmente, a radicalizar: a intolerância, o controlo da liberdade de expressão, a solidariedade orgânica que sacrifica a individualidade, o fascismo do dever corporativo que elimina a consciência crítica, tomada sempre como desviante e insurrecta, a ritualização da obediência e do castigo.
Este texto é, também por isso, uma intermitente alegoria sobre o autoritarismo e a dissidência. E uma espreitadela à patologia do poder, envenenada pelo delírio, acompanhada pela desconfiança e pela solidão.
A peça “Maravilhoso Mundo Novo”, de António Manuel Revez, escrita vinte anos depois da data que intitulou um dos mais interessantes livros da literatura universal – “1984”, não nos transporta exclusivamente para um mundo difuso da informação, mas dá-nos a possibilidade de antever (ou, mesmo, de rever) algumas vivências do pesadelo orwelliano.
As dez personagens deste drama – também em potência no nosso quotidiano – poderão representar as nossas próprias realidades e incertezas, simultaneamente manipuladoras e coagidas por um qualquer "Homem da gravata vermelha", nem sempre ao jeito do modelo imaginado para o Big Brother de George Orwell, porque mais próximo do totalitarismo definido por Huxley.
Ao agarrar no conceito de “amor” (que, aqui, não aparece como sinónimo de “Soma”, que era o nome da droga da felicidade inventada por Aldous Huxley, no referente romance “Admirável Mundo Novo”), António Revez identifica um universo onde a difusão informativa cria um atalho para a passividade e para o egocentrismo.
Na voz do Homem 1, “todos dizem que precisam de amor, de amor. Que em tempos as pessoas se bastavam com o amor, e lutavam pelo amor. Alguém me sabe dizer o que é o amor?”. Num mundo inquieto e, por isso, mutável, a mudança de mentalidades influencia na reviravolta das relações sociais. Daí que haja, algures, um "Homem de gravata vermelha" capaz de impedir a possibilidade de êxito de um mundo realmente solidário, como o sonhado pelo “Bispo vermelho” Dom Hélder Câmara.
No texto “Maravilhoso Mundo Novo”, persiste a crítica aos modelos oligárquicos que se podem gerar no seio das organizações colectivas. Até que ponto as lutas pelo poder não tornam as pessoas cúmplices? Porque, nessas circunstâncias, não é nítida a democracia interna, a insurreição, quase sempre, paga-se cara. O futuro é também a conjuntura que nos sucede. Por conseguinte, a mensagem reconquistada por António Revez é a de que nos cabe dar conteúdo e melhor sentido ao nosso mundo. Sem intenções moralistas, renasce a ideia de que o Homem, afinal, é a medida de todas as coisas.
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Registo de notícias e outras referências:
http://admiravelmundonovo-1984.blogspot.com/2007/08/maravilhoso-mundo-novo-de-antnio-manuel.html

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