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sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Aviso à navegação, para quem escreve e publica

Retirado de http://desenvolvendoopensamentocritico.blogspot.pt/

1 - A nova ortografia, defendida (tropegamente) pelo Acordo Ortográfico de 1990 (AO90), foi aprovada pela Resolução da Assembleia da República (RAR) n.º 26/91, de 23 de Agosto (com pequenas actualizações posteriores), e com uma data de entrada em vigor (ilegítima) imposta pela Resolução do Conselho de Ministros (RCM) n.º 8/2011.
2 - A ortografia ainda em vigor, acordada pelo Acordo Ortográfico de 1945 (AO45), foi promulgada pelo Decreto n.º 35.228 de 8 de Dezembro de 1945, e pelo Decreto-Lei n.º 32/73 de 6 de Fevereiro.
3 - O Código do Direito de Autor e Direitos Conexos foi promulgado pelo Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de Março (com pequenas actualizações posteriores).
4 - Na hierarquia legislativa um Decreto-Lei está acima duma Resolução, seja RAR ou RCM. Um Decreto-Lei é vinculativo, ao passo que uma Resolução não é um «acto legislativo», e corresponde a uma mera recomendação.
5 - Por conseguinte, uma Resolução não tem força legal para revogar um Decreto-Lei, e por isso o AO45 continua em vigor.
6 - Em caso de conflito entre a nova ortografia e o Direito do Autor, o que prevalece é o Decreto-Lei do Direito de Autor.
7 - Em consequência, nenhum editor é obrigado a editar os seus livros ou as suas publicações segundo a nova ortografia, nem nenhum Autor é obrigado a escrever os seus textos segundo o AO90. Mais ainda: tentar impor a nova ortografia do AO90, a quem escreve e publica, é um acto ilegal, porque o que continua legalmente em vigor é o AO45.
8 - Ao abrigo do Código do Direito de Autor, os Autores têm o direito de preservar a sua própria opção ortográfica, conforme consta do n.º 1 do Art. 56.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, onde se diz que o autor goza durante toda a vida do direito de assegurar a genuinidade e integridade da sua obra, opondo-se à sua destruição, a toda e qualquer mutilação, deformação ou outra modificação da mesma, e, de um modo geral, a todo e qualquer acto que a desvirtue.
9 - Embora no Artigo 93.º do mesmo Código do Direito de Autor se preveja a possibilidade de actualizações ortográficas, que não são consideradas «modificações», há sempre a opção legítima, por parte do Autor, de escrever como entender, por uma «opção ortográfica de carácter estético», mesmo que o novo AO90 venha um dia a ser eventualmente consagrado por Decreto-Lei, e não apenas, como agora, por uma simples Resolução da AR.

VER http://www.facebook.com/antonio.demacedo.73/posts/177313945741967

terça-feira, 20 de novembro de 2012

A razão e a essência

http://www.vidaslusofonas.pt










«Não só os sentimentos criam palavras, também as palavras criam sentimentos. As palavras formam uma arquitectura de ferro. São a vida e quase toda a nossa vida – a razão e a essência desta barafunda. É com palavras que construímos o mundo. É com palavras que os mortos se nos impõem. É com palavras, que são apenas sons, que tudo edificamos na vida. Mas agora que os valores mudaram, de que nos servem estas palavras? É preciso criar outras, empregar outras, obscuras, terríveis, em carne viva, que traduzam a cólera, o instinto e o espanto.»

In «Húmus», de Raul Brandão, Edições Húmus, Abril de 2004

sábado, 17 de novembro de 2012

Excerto de «Pássaros», de Saint-John Perse

Retirado de http://www.espritsnomades.com





















O pássaro, que entre os nossos consanguíneos é mais ardente a viver, leva um singular destino aos confins do dia. Migrante e obcecado por inflação solar, viaja de noite porque os dias não bastam à sua actividade. Em tempo de lua parda, da cor do visco das Gálias, com o seu espectro povoa a profecia das noites. E o piar nocturno é verdadeiro grito do alvorecer: grito de guerra santa com arma branca.

Na trave da asa o balanceio imenso de uma estação dupla; e a própria curvatura da terra sob a curva do voo… A alternância é sua lei, a ambiguidade o seu reino. No espaço e no tempo incubados pelo mesmo voo, tem a heresia de uma estivação única. Também é o escândalo do pintor e do poeta, coleccionadores de estações nos mais altos cimos da intersecção.

Ascetismo do voo!... O pássaro, entre os nossos comensais o mais ávido de ser, para alimentar a paixão é quem leva secreta, em si, a mais alta febre do sangue. Tem a sua graça na labareda. Sem simbolismo nenhum: simples facto biológico. É-nos tão leve a matéria-pássaro, que a contra-fogo diurno parece elevar-se à incandescência. No mar, quando pressente o meio-dia, um homem levanta a cabeça com este escândalo: aberta no céu como a mão de uma mulher contra a chama do candeeiro, uma gaivota branca eleva no dia a transparência rósea de uma brancura de hóstia…

Asa curvejante do sonho, esta noite vais encontrar-nos por outras paragens!

 In «Pássaros», de Saint-John Perse, Hiena Editora, Lisboa, Abril de 1994

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

«ÁGUA», poema de Gabriela Mistral

Foto retirada de http://www.poesiaspoemaseversos.com.br


















Alguns países eu recordo
como recordo a minha infância.
Países onde há rio ou mar,
pastagens, várzeas, tanta água.
Aldeia minha sobre o Ródano,
entregue ao rio e às cigarras;
Antilha em palmas verdinegras
que do seu mar ainda se chama;
em Portofino a fraga lígure:
mar italiano! mar italiano!

A lugares secos me trouxeram,
terras-Agar, terras sem água;
Saras vermelhos, Saras brancos,
onde pecaram outras raças,
nesses cruéis, rubros pecados
pelas argilas relembrados;
que não nasceram como crias
com as suas feridas gordurosas,
quando as escuto sem ruído,
sempre que as cruzo, sem olhar.

Quero voltar a terras jovens;
levem-me a um suave país das águas.
Que em grandes prados envelheça
e traga ao rio as minhas fábulas.
Que a minha mãe seja uma fonte
perto de mim durante a sesta
e em jarras desça de um penhasco
uma água doce, aguda e áspera.
Que então me vença e me suspenda
a água acérrima e gelada.
Que parta o copo e que ao bebê-la
me torne jovens as entranhas!

In «Antologia Poética», antologia portuguesa de Gabriela Mistral (com selecção, tradução e apresentação de Fernando Pinto do Amaral), 
Editorial Teorema, Lisboa, 2002 (1.ª edição).

terça-feira, 13 de novembro de 2012

«AQUI TE AMO…», poema de Pablo Neruda



















Aqui te amo.
Nos sombrios pinheiros desenreda-se o vento.
A lua fosforece sobre as águas errantes.
Andam dias iguais a perseguir-se.

Desaperta-se a névoa em dançantes figuras.
Uma gaivota de prata desprende-se do ocaso.
Às vezes uma vela. Altas, altas estrelas.
Ou a cruz negra de um barco.
Sozinho.

Às vezes amanheço, e até a alma está húmida.
Soa, ressoa o mar ao longe.
Este é um porto.
Aqui te amo.

Aqui te amo e em vão te oculta o horizonte.
Eu continuo a amar-te entre estas frias coisas.
Às vezes vão meus beijos nesses navios graves
que correm pelo mar aonde nunca chegam.
Já me vejo esquecido como estas velhas âncoras.
São mais tristes os cais quando fundeia a tarde.
A minha vida cansa-se inutilmente faminta.
Eu amo o que não tenho. E tu estás tão distante.
O meu tédio forceja com os lentos crepúsculos.
Mas a noite aparece e começa a cantar-me.
A lua faz girar a sua rodagem de sonho.

Olham-me com os teus olhos as estrelas maiores.
E como eu te amo, os pinheiros no vento
querem cantar o teu nome com as folhas de arame.

in «Vinte Poemas de Amor e Uma Canção desesperada», de Pablo Neruda (tradução de Fernando Assis Pacheco), 
Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2001 – 10ª edição

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Reinventar as palavras

A Árvore da Vida, de Gustav Klimt
«Nós não somos do seculo d' inventar as palavras. As palavras já foram inventadas. Nós somos do seculo d' inventar outra vez as palavras que já foram inventadas.» 
(José de Almada-Negreiros)

domingo, 11 de novembro de 2012

PERENIDADE, poema de Miguel Torga

http://espacoonze.blogspot.pt – «Ofélia IV», 
acrílica sobre papelão Paraná,  Marisa Bastos



















Nada no mundo se repete.
Nenhuma hora é igual à que passou.
Cada fruto que vem cria e promete
Uma doçura que ninguém provou.

Mas a vida deseja
Em cada recomeço o mesmo fim.
E a borboleta, mal desperta, adeja
Pelas ruas floridas do jardim.

Homem novo que vens, olha a beleza!
Olha a graça que o teu instinto pede.
Tira da natureza
O luxo eterno que ela te concede.

(in «Libertação», de Miguel Torga, edição de autor, Coimbra, 1978 – 4.ª edição)

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

MUDEZ, poema de Miguel Torga

http://4.bp.blogspot.com
















Que desgraça, meu Deus!
Tenho a Ilíada aberta à minha frente,
Tenho a memória cheia de poemas,
Tenho os versos que fiz,
E todo o santo dia me rasguei
À procura não sei
De que palavra, síntese ou imagem!
Desço dentro de mim, olho a paisagem,
Analiso o que sou, penso o que vejo,
E sempre o mesmo trágico desejo
De dar outra expressão ao que foi dito!
Sempre a mesma vontade de gritar,
Embora de antemão a duvidar
Da exactidão e força desse grito.
Mudo, mesmo se falo, e mudo ainda
Na voz dos outros, todo eu me afogo
Neste mar de silêncio, íntima noite
Sem madrugada.
Silêncio de criança que ficasse
Toda a vida criança,
E nunca conseguisse semelhança
Entre o pavor e o pranto que chorasse.

(in «Orfeu rebelde», de Miguel Torga, edição de autor, Coimbra, 1970 –
2.ª edição revista)

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

TEMPO, poema de Miguel Torga



















Tempo – definição da angústia.
Pudesse ao menos eu agrilhoar-te
Ao coração pulsátil dum poema!
Era o devir eterno em harmonia.
Mas foges das vogais, como a frescura
Da tinta com que escrevo.
Fica apenas a tua negra sombra:
– O passado,
Amargura maior, fotografada.

Tempo…
E não haver nada,
Ninguém,
Uma alma penada
Que estrangule a ampulheta de uma vez!

Que realize o crime e a perfeição
De cortar aquele fio movediço
De areia
Que nenhum tecelão
É capaz de tecer na sua teia!

(in, «Cântico do Homem», de Miguel Torga, edição do autor, Coimbra, Janeiro de 1974, 4.ª edição)

terça-feira, 6 de novembro de 2012

«SOBRE O MEU ANIVERSÁRIO - 20», poema de Rabindranath Tagore

http://www.oldindianphotos.in
















Hoje imagino as palavras de inúmeras
Linguagens subitamente livres –
Depois de uma longa clausura
Na fortaleza da gramática, de repente revoltada,
Enlouquecida pelo cunho
Do obsoleto poder militar.
Elas ultrapassaram os constrangimentos da frase
Para procurar a livre expressão num mundo sem inteligência,
Quebrando as cadeias do bom senso, do sarcasmo
E do ridículo do decoro literário.
Assim liberta as suas ridículas
Posturas e os seus gritos apelam unicamente ao ouvido.
Elas dizem, «Nós que nascemos da tempestuosa sintonia
Da primeira exalação da terra
Entrámos em nós próprias logo que o sangue palpitou
Levando a negligente vitalidade do homem a transformar-se em dança
[na sua garganta.
Aumentámos a sua voz infantil com o balbuciar
Do primeiro poema do mundo, com as primeiras palavras
Infantis da existência. Somos parentes das correntes
Selvagens que se despenham das montanhas para anunciar
O mês de Sraban: trazemos à morada do homem
Os encantos da natureza –»
O festivo som das folhas sussurrando nas florestas,
O som que mede o ritmo das tempestades próximas,
O grande som do fim da noite quando rompe o dia –
Destes campos de som o homem capturou palavras, refreando-as
[como a um
Garanhão em complexos laços de ordem
Para o impedir de levar as suas mensagens às longínquas terras do futuro.
Ao ler palavras reprimidas e controladas
O homem apressou
O passo dos lentos relógios do tempo:
A velocidade da sua razão atravessou os blocos da matéria,
Explorando recalcitrantes mistérios;
Com exércitos de palavras
Desenhadas nas linhas de batalha resiste ao perpétuo assalto da
[imbecilidade.
Mas às vezes elas escapam-se como ladrões para o coração da fantasia,
Flutuando nas marés-baixas
Do sono, sem barreiras,
Transformando qualquer espécie de naufrágio e despojos em métrica.
A partir daí, a mente errante dá forma
Às criações artísticas
De um género que não se conforma com um Universo
Ordenado – cujos laços são ténues, lassos, arbitrários,
Como uma dúzia de cães à bulha,
Agarrando-se ao pescoço uns dos outros sem propósito nem
Sentido:
Mordem-se –
Gritam e ladram muito alto,
Mas as suas dentadas e gritos não trazem nenhuma verdadeira
[aportação à animosidade,
A sua violência é bombástica, a sua fúria oca.
Na minha mente imagino palavras com pouco sentido,
Hordas das quais correm furiosamente todo o dia,
Como se no céu houvesse inúmeras sílabas disparatadas em plena
[erupção –
Horselum, bridelum, ridelum, no interior da refrega.

In «Poesia», de Rabindranath Tagore (com selecção e tradução de José Agostinho Baptista), 
Assírio & Alvim, Maio 2011, 2.ª edição.
……………………………

TISHMA canta TAGORE (Bhalobashi bhalobashi  Bangla canção):
http://www.youtube.com/watch?v=430nsMAsVHs

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Poema «TRIAGA», de Miguel Torga

http://caminhosdamemoria.wordpress.com


















Trituro as horas num almofariz.
O pó do tempo, que receita estranha!
Mas faz-me bem a não sei bem que entranha
Profunda e cancerosa que me dói…
Minutos e minutos misturados,
E tomados
Logo que o tédio de os viver os mói. 

(in «Penas do Purgatório», 3.ª edição, 1976)