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terça-feira, 19 de março de 2013

Excerto de «Seda», de Alessandro Baricco

Alessandro Baricco – foto retirada de http://mag.wired.it













Naqueles tempos o Japão ficava, de facto, do outro lado do mundo. Era uma ilha feita de ilhas e durante duzentos anos vivera completamente separada do resto da humanidade, recusando qualquer contacto com o continente e proibindo a entrada a qualquer estrangeiro. A costa chinesa distava quase duzentas milhas, mas um decreto imperial cuidara de a tornar ainda mais longínqua, proibindo em toda a ilha a construção de barcos com mais de um mastro. Aliás, segundo uma lógica à sua maneira iluminada, a lei não proibia a expatriação: mas condenava à morte quem tentasse voltar. Os mercadores chineses, holandeses e ingleses tinham procurado repetidas vezes quebrar esse isolamento absurdo, tendo apenas conseguido montar uma frágil rede de contrabando. Tinham ganho, com isso, pouco dinheiro, muitos aborrecimentos e algumas lendas, boas para vender nos portos, à noite. Onde eles tinham falhado, tiveram êxito, graças à força das armas, os americanos. Em Julho de 1853, o comodoro Matthew C. Perry entrou na baía de Yokohama com uma moderna frota de navios a vapor e entregou aos japoneses um ultimato no qual se «auspiciava» a abertura da ilha aos estrangeiros.
Os japoneses nunca tinham visto antes um navio capaz de cruzar o mar contra o vento.
Quando, passados sete meses, Perry voltou para receber a resposta ao seu ultimato, o governo militar da ilha consentiu em assinar um acordo no qual se sancionava a abertura aos estrangeiros de dois portos no norte do país e o começo de umas primeiras, limitadas, relações comerciais. O mar em volta desta ilha – declarou o comodoro com alguma solenidade – é a partir de hoje muito menos profundo.

In «Seda», de Alessandro Baricco (tradução de Simonetta Neto), Difel – Difusão Editorial, S.A., Miraflores (Algés), Julho de 2000 (3.ª edição).

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