Quando, já
lá vão muitos anos, a inventariar coisas da pátria, vi Arganil pela primeira
vez e me enamorei da sua rústica capelinha de São Pedro, honradamente construída
de pedra rolada, estava longe de supor que esta terra viesse a figurar tão
grata e repetidamente no meu itinerário existencial. Mas a vida é uma surpresa quotidiana,
mesmo se não damos por isso. A minha, pelo menos. Aqui tratei o melhor que
pude, na sua Misericórdia, milhares de doentes; aqui venho acordar o Alva nas
madrugadas cinegéticas; aqui acompanhei à última morada os restos mortais,
quase abandonados, de Veiga Simões, um dos seus filhos mais ilustres, que os
esbirros dum déspota perseguiram até à cova; aqui me trouxeram, e continuam a
trazer, cuidados cívicos. Hoje é em função deles, precisamente, que me encontro
entre vós. Felizmente, de resto, porque em poucos sítios de Portugal e diante
de nenhum mais adequado auditório eu poderia abrir tão confiada e
proveitosamente o coração apertado. E sem retórica o digo.
In «Fogo Preso», de Miguel Torga, edição de autor, 1976.
CONSULTAR:
«Correspondência
de um diplomata no III Reich – Veiga Simões: ministro acreditado em Berlim de 1933 a 1940»
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