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segunda-feira, 8 de abril de 2013

[Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.], poema de Ricardo Reis [Fernando Pessoa]

Fernando Pessoa (1888-1935)












Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa e não estamos de mãos enlaçadas.
               (Enlacemos as mãos).

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa.
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
               Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
               E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz.
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos.
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria.
               E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
               Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento –
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
               Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
               Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim – à beira-rio,
               Pagã triste e com flores no regaço.



In «Poemas de Amor - Antologia de Poesia Portuguesa», organização e prefácio de Inês Pedrosa, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Abril de 2001 (2.ª edição).

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