[…] Primeiro, chegar a uma
decisão sobre um problema pessoal típico, colocado em ambiente social, que é
complexo e cujo resultado final é incerto, requer tanto o amplo conhecimento de
generalidades como estratégias de raciocínio que operem sobre esse
conhecimento. O conhecimento geral inclui factos sobre objetos, pessoas e
situações do mundo exterior. Mas como as decisões pessoais e sociais se
encontram inextricavelmente ligadas à sobrevivência, esse conhecimento inclui
também factos e mecanismos relacionados com a regulação do organismo como um
todo. As estratégias de raciocínio giram à volta de objetivos, opções de ação,
previsões de resultados futuros e planos para a implementação de objetivos em
diversas escalas de tempo.
Segundo, os processos da emoção e
dos sentimentos fazem parte integrante da maquinaria neural para a regulação
biológica, cujo cerne é constituído por controlos homeostáticos, impulsos e
instintos.
Terceiro, devido ao design do cérebro, o conhecimento geral
necessário para as decisões depende de vários sistemas localizados, não apenas
numa única região mas em regiões cerebrais relativamente separadas. Uma grande
parte de tal conhecimento é expressa sob a forma de imagens em diversos locais
do cérebro. Embora tenhamos a ilusão de que tudo se reúne num único teatro
anatómico, dados recentes sugerem que tal não é o caso. É provável que a
ligação entre as diferentes partes da mente provenha da relativa sincronia de
actividade em locais diferentes.
Quarto, visto o conhecimento só
poder ser recuperado, de forma distribuída e parcelar, a partir de diversos
locais em vários sistemas paralelos, a operação das estratégias de raciocínio
requer a manutenção ativa da representação de miríades de factos numa ampla
exposição paralela durante um período de tempo de vários segundos. Por outras
palavras, as imagens sobre as quais nós raciocinamos (imagens de objetos
específicos, ações e esquemas relacionais; imagens de palavras que ajudam a
tudo traduzir sob a forma de linguagem) não só devem estar em realce – algo que
é obtido pela atenção – como devem também permanecer ativas na mente – algo que
é realizado pela memória de trabalho.
In «O Erro de Descartes – Emoção, razão e cérebro
humano» (com o novo prefácio «Regresso ao Erro de Descartes»), de António
Damásio (adaptado para a língua portuguesa por António Damásio, com revisão de
Pedro Ernesto Ferreira), Temas e Debates (Círculo de Leitores), Lisboa,
Setembro de 2011 (esta edição segue a grafia do Novo Acordo Ortográfico da
Língua Portuguesa).
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