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terça-feira, 7 de maio de 2013

Imagens do agora, imagens do passado e imagens do futuro

António Damásio – Foto retirada de http://www.maiseducativa.com
O conhecimento factual que é necessário para o raciocínio e para a tomada de decisões chega à mente sob a forma de imagens. Debrucemo-nos agora sobre o possível substrato neural dessas imagens.
Se olhar pela sua janela para a paisagem de outono, se ouvir a música de fundo que está a tocar, se deslizar os seus dedos por uma superfície de metal lisa ou ainda se ler estas palavras, linha após linha, até ao fim da página, estará a formar imagens de modalidades sensoriais diversas. As imagens assim formadas chamam-se imagens percetivas.
Mas pode agora parar de prestar atenção à paisagem, à música, à superfície metálica ou ao texto, e desviar os seus pensamentos para outra coisa qualquer. Talvez esteja agora a pensar na sua tia Maria, na Torre Eiffel, ou na voz do Plácido Domingo ou naquilo que acabei de dizer acerca de imagens. Qualquer desses pensamentos é também constituído por imagens, independentemente de serem compostas sobretudo por formas, cores, movimentos, sons ou palavras faladas ou omitidas. Essas imagens, que vão ocorrendo à medida que evocamos uma recordação de coisas do passado, são conhecidas como imagens evocadas, para poderem ser distinguidas das imagens de tipo percetivo.
Ao utilizarmos imagens evocadas podemos recuperar um determinado tipo de imagem do passado, a qual foi formada quando planeámos qualquer coisa que ainda não aconteceu mas que esperamos que venha a acontecer. Enquanto o processo de planificação se desenrolou, estivemos a formar imagens de objectos e de movimentos e a consolidar a memorização dessa fição na nossa mente. A natureza das imagens de algo que ainda não aconteceu, e que pode de facto nunca vir a acontecer, não é diferente da natureza das imagens acerca de algo que já aconteceu e que retemos. Elas constituem a memória de um futuro possível e não do passado que já foi.
Estas diversas imagens – percetivas, evocadas a partir do passado real e evocadas a partir de planos para o futuro – são construções do cérebro do nosso organismo. Tudo o que se pode saber ao certo é que são reais para nós próprios e que há outros seres que constroem imagens do mesmo tipo. Partilhamos com outros seres humanos, e até com alguns animais, as imagens em que se apoia o nosso conceito do mundo; existe uma consistência notável nas construções que diferentes indivíduos elaboram relativas aos aspetos essenciais do ambiente (texturas, sons, formas, cores, espaço). Se os nossos organismos fossem desenhados de maneiras diferentes, as construções que nós fazemos do mundo que nos rodeia seriam igualmente diferentes. Não sabemos, e é improvável que alguma vez venhamos a saber, o que é a realidade «absoluta».

In «O Erro de Descartes – Emoção, razão e cérebro humano» (com o novo prefácio «Regresso ao Erro de Descartes»), de António Damásio (adaptado para a língua portuguesa por António Damásio, com revisão de Pedro Ernesto Ferreira), Temas e Debates (Círculo de Leitores), Lisboa, Setembro de 2011 (esta edição segue a grafia do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa).

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