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sexta-feira, 26 de julho de 2013

De entre os escritores dos séculos XVII e XVIII, Miguel Torga destaca o Padre António Vieira

Imagem retirada de http://www.anovieirino.com/
Apenas um nome é justo destacar de tão rasa mediocridade, que nem os vislumbres populistas de D. Francisco Manuel de Melo, nem a candura de Bernardes conseguem atenuar: o do Padre António Vieira. Porque as suas inquietações humanas transcenderam o mastigar prolixo das aproximações bíblicas, pôde sentir a tragédia incipiente do nativo explorado pela nova civilização. No seu cristianismo tolerante cabiam índios, negros e judeus. Por isso palpitam, em algumas das suas páginas, dores que ainda persistem nas terras e nos povos aonde, juntamente com a devota cruz evangelizadora, chegava a espada da conquista e do esbulho. Alma ao serviço dos homens da pátria, o grande jesuíta é uma polarização culta e compreensiva de todos os apóstolos sinceros da fraternidade universal. E o calor que anima a sua palavra purifica o artificialismo que a enfeita. Há ainda uma escusa a acrescentar à obra que deixou, que vive e perdura mesmo sem escusas. É que o seu autor contactou profundamente com uma realidade luxuriante, tropical, de pujança exterior. E nada mais natural do que ela se fizesse sentir no artista que ele era. Desculpa que não aproveita aos contemporâneos, que ou nunca saíram das verças ou as deixaram circunstancialmente, como D. Francisco Manuel de Melo. Esses, além da falta de autêntico impulso criador, ou falsificaram os sentimentos, ou lhes falsificaram a expressão.

In «Traço de União – Temas portugueses e brasileiros», de Miguel Torga, Coimbra, 1969 (2.ª edição revista) – Excerto de «Panorama da Literatura Portuguesa», conferência realizada na Faculdade de Filosofia do Rio de Janeiro, em 17 de Agosto de 1954.

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