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terça-feira, 9 de julho de 2013

TEMPO EM QUE SE MORRE, poema de Eugénio de Andrade

Imagem retirada de http://segundavida.blogs.sapo.pt


















Agora é verão, eu sei.
Tempo de facas, tempo
em que perdem os anéis
as cobras à míngua de água.
Tempo em que se morre
de tanto olhar os barcos.

É no verão, repito.
Estás sentada no terraço
e para ti correm todos os meus rios.
Entraste pelos espelhos:
mal respiras.
Vê-se bem que já não sabes respirar,
que terás de aprender com as abelhas.

Sobre os gerânios
te debruças lentamente.
Com rumor de água
sonâmbula ou de arbusto decepado
dás-me a beber
um tempo assim ardente.

Pousas as mãos sobre o meu rosto,
e vais partir,
sem nada me dizer,
pois só quiseste despertar em mim
a vocação do fogo ou do orvalho.

E devagar, sem te voltares,
pelos espelhos entras na noite acesa.

In «Chuva sobre o rosto» (poesia), de Eugénio de Andrade (com um desenho de José Rodrigues), colecção «Pequeno Formato» (n.º 2), Edições ASA, Porto, Abril de 2002 (5.ª edição).

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