António Victorino D’Almeida – Foto retirada de http://vava-diando.blogspot.pt
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Detiveram-se os seus dedos na carícia de um livro amarelado,
de capa já esgarçada pelo tempo, nunca pelo uso… Lá fora, a tempestade uivava
num furor de invernia escabrosa. Na sala, abraçado à estante, Leonardo sorria e
recordava, rendia-se ao prazer da memória, ouvia a voz do Professor chamar-lhe
poeta, revivia o longo diálogo em que falara r fora ouvido, as palavras justas
e cuidadas que escolhera para dar de si a imagem saudável de um sôfrego
devorador da filosofia que é a base transcendente do moderno saber…
E, numa volúpia gestual de câmara lenta, levou o livro
amarelado à boca e começou a trincá-lo, primeiro suavemente, mordiscando as
folhas do prefácio, depois com mais intensidade, num mastigar vigoroso, até ao
rasgar das páginas em golpes asselvajados de mandíbula gulosa e insaciável!
Nessa noite devorou o seu primeiro livro.
In «Os devoradores de livros» (ficção),
de António Victorino D’Almeida, Oficina do Livro (Leya), Alfragide, Junho de
2010 (1.ª edição).
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