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quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

[tão pudico que até as inofensivas intimidades da sua vida cobria dum véu literário], registo diarístico de Miguel Torga

Eça de Queirós – Fotografia encontrada em http://expresso.sapo.pt/

Coimbra, 5 de Julho – «Dizer tudo. Contar tudo. Passar para o papel a verdade inteira, sem deixar dentro da alma o mais pequeno segredo. No artista, até as contas do alfaiate interessam».
Estes críticos esquecem-se de que os escritores são homens. Julgam que somos máquinas de varrer as imundícies dos outros e as nossas.
Dizer tudo, dizemo-lo nós, duma maneira ou doutra. Mas dizemo-lo como queremos, numa confissão que não tem direcção, nem regras.
Um escritor como Eça de Queirós, o mais pudico dos nossos artistas – tão pudico que até as inofensivas intimidades da sua vida cobria dum véu literário –, não teria dito tudo? Ficaria dele algum segredo escondido? Alguém precisa ainda de saber mais?

In «Diário (5.º volume)», de Miguel Torga, edição de autor, Coimbra, 1974 (3.ª edição, revista).

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