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sábado, 15 de fevereiro de 2014

[recapitulação do itinerário poético] de Joaquim Namorado, por Eduardo Lourenço

Imagem retirada de olamtagv.wordpress.com

Embora em 1966 a liberdade formal que reina em Poesia Necessária não seja uma novidade em relação ao itinerário geral da nossa poesia, todos os seus poemas, e em particular os desta série, relevam uma indiferença rara entre os poetas neo-realistas em relação às formas costumadas e na melhor das tradições modernistas de apagamento da fronteira «poética» e «prosaica». É o que ressalta de uma poesia como Poeta, singular desse ponto de vista e igualmente quanto ao fundo, pois constitui, como nenhuma outra, uma recapitulação do itinerário poético (e da poética) do autor. É uma profissão de fé que ultrapassa o seu caso pessoal e lhe confere foros de símbolo – programa de toda uma corrente poética:

A poesia é uma máquina
                de produzir entusiasmo
é preciso que os versos sejam verdadeiros
na vida dos poetas
                 como a tua erguida
                 sobre os anos futuros
quando o próprio bronze das estátuas se cobrir
do verdete do esquecimento
                 e das ortigas
entre as ruínas de um passado morto
e as pequenas plaquetas dos sentimentos pobres
dos lírios delírios
das doidas metáforas sem sentido
louvadas pela crítica
só tenham o arqueológico encanto
de um cabelo de Ofélia… 

In «Sentido e forma da poesia neo-realista», ensaio de Eduardo Lourenço, Gradiva, Lisboa, Outubro de 2007 (1.ª edição).

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