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quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

[Tombam os dias inúteis], excerto sobre a poesia de Joaquim Namorado, num ensaio de Eduardo Lourenço

Joaquim Namorado







A desistência, o medo, o «sonambulismo» encontrava no poeta pouca complacência. Mas a nítida consciência de uma fragilidade inerente à situação histórica combativa empresta a esses poemas uma ressonância que a pura apóstrofe «heróica», sem sombras, de Aviso à Navegação não comportava:

Tombam os dias inúteis:
amanhece, é tarde, anoitece.
................................................
Sonâmbula a vida decorre
– nas ruas, a paz larvar dos grandes cemitérios;
dentro de nós, cada um
apodrece.
Enchem-se de títulos vibrantes os jornais
– mas tudo é tão longe...
Passam homens por homens e não se conhecem
Boa tarde! Bom dia!
Cada um fechado nas suas fronteiras
os gestos vazios,
a vida sem sentido
– sonambulismo apenas.

Acorda!
...............
Ainda que acordar seja
morrer depois aos poucos, em cada momento,
dolorosamente. 

In «Sentido e forma da poesia neo-realista», ensaio de Eduardo Lourenço, Gradiva, Lisboa, Outubro de 2007 (1.ª edição).

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