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segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

«Notas de viagens - Ritmos e mitos» (poesia), de Fernando Miguel Bernardes

Um poema, uma espada!...


Não. Breves embora, passíveis de plantação em rego seguido sem a cesura do verso, os poemas de Fernando Miguel Bernardes são poesia mesmo e não prosa! Que eu declaro «poesia» essa forma incisiva de, mesmo em vestes ralas, se querer abrigar o Mundo, desvendar as almas, rasgar horizontes – qual fulgente espada!
«Notas de viagens» sugeriria, como título, apontamento de etnógrafo, impressões de viajante mui deslumbrado com as aparências do típico, obediente ao que ao guia lhe apetecesse mostrar: Torre Eiffel, pirâmides de Gizé, oloroso casbá de Marraquexe, o Nilo, o Douro e o Sena… Não há guia aqui, porém, a não ser a águia de olhar bem perspicaz, Homem inteiro de visão bem funda, Irmão que sente e que pensa!
«Ritmos e mitos».
O ritmo é o que cada qual lhe quiser dar – que o Poeta é livre e quer libertar também. Preferirá, sem dúvida, um caminhar sereno, a saborear palavras, a degustar sentimentos…
Os mitos são os de sempre: por labirintos de Creta nos levam; de Cérbero, o cão, há que libertar-nos; por Fénix renascida suspiramos…
Viagem esta pelo mundo e pelo tempo, inebriada de pinceladas prenhes de uma Cultura sabiamente adquirida e mui oportunamente revisitada. Eterno convite!
Que mais se aprecia? Não é nada fácil a escolha. «Tudo!» – resposta certa seria; mas ninguém acreditava, ainda que seja essa a verdade. Há, todavia, sementeira plena de reflexões maduras, com paragens onde a palavra é mais espada e mais célere, por isso, o sangue depressa ao coração aflui, num rompante.
Tudo, afinal, é convocado por Fernando Miguel Bernardes. Os homens de antanho, sim; os homens de agora também. Filósofos, operários, crianças, o colibri, a codorniz, a andorinha, o melro, urubus (!), a flor do alecrim, a poderosa formiga que ousou passear-se por sobre a mesa em Havana, a banda e o coreto, moinhos de D. Quixote, o diamante e as minas, o Nero antigo das Twin Towers de agora… Tudo!... E da mais ínfima partícula jorram a inspiração e a voz. Sim, que versos destes são para ler com os olhos mas muito mais apetece gritá-los, atirá-los ao vento madrugada afora, gota feliz na pétala rubra da rosa! «Nasceu fulva a manhã nos teus cabelos…». Em bailia: «Abril bonito / Abril das rosas / pares no jardim / tardes formosas!...». «Passa lá um rio / Bate lá o mar»!
      A cereja: quem a tirou do cesto é dela merecedor? Assim venha por bem quem a semente quis regar na frescura do suor. Horror de mãos ocultas a colher doutrem as frutas!...
A perdiz: mil tombaram na caçada! «Onde o frumento não nasce, a perdiz não pasce» – e o clangor ecoa «pela seca vasta planura alentejana». Tem de ecoar!
Lapidar a legenda «para um portal no Bairro Alto»: «O mar ao luar tem cabelos de prata… Saudade doce mal… com absinto se trata!». Vês? Não há jeito assim – que não respiras a dizer e vai tudo de carreirinha! E não é!... São oito os versos e nem quadra querem ser. Ora vê:

O mar
ao luar
tem cabelos
de prata…

Saudade
doce mal…
com absinto
se trata!

Tem outro condão, está claro. E desta sorte, com vagar, se vai sorvendo o absinto – que isso é a saudade nossa, lenta, doce e amarga, como outro Poeta falou…
E é lindo o diamante em teu regaço; vertiginoso, o bólide leva ao rubro a multidão – já pensaste? Vê mais longe – que de tísica morreu o garimpeiro e de silicose o mineiro feneceu!...
Abraçamos o mundo. Sentimo-nos gente no meio da multidão. Gente com nome. Pessoas!
Por isso voluntariamente me deixei ferir, imolado, por esta espada fulgente!

Cascais, 19 de Dezembro de 2013
José d’Encarnação
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O AUTOR:

Fernando MIguel Bernardes  – Nasceu em Gândara dos Olivais, Leiria. Estudou nas Universidades de Coimbra e Clássica de Lisboa, onde se licenciou.
Como engenheiro geógrafo, foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, tendo nessa qualidade feito uma pós-graduação em Cálculo Científico.
Docente de Informática no ensino superior particular, exerceu também funções de técnico superior de Sistemas Informáticos numa empresa de construção naval.
Foi ainda director de departamento de uma câmara municipal da Área Metropolitana de Lisboa.
Poemas de que é autor foram musicados e cantados, ou declamados, alguns com gravação em disco ou DVD (Digital Versatile Disc), por artistas como José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, José Niza, Manuel Freire, Daniel, José Jorge Letria, Samuel e José Carlos Ary dos Santos.
Antes da Revolução de Abril, devido à sua ideologia e posições tomadas como resistente ao regime, foi várias vezes detido, julgado e condenado nos chamados Tribunais Plenários, tendo cumprido as sucessivas penas em prisões políticas de Coimbra, Porto, Lisboa e Caxias. Mais tarde, foi-lhe reconhecido, pelos órgãos competentes da República, o «mérito excepcional da contribuição dada à defesa da Liberdade e da Democracia».
No seguimento da publicação dos seus livros para a infância e juventude, vem visitando escolas do ensino básico por todo o País, para, com as crianças, os pais e os professores, ler e comentar e dramatizar alguns dos seus textos, previamente explorados nas respectivas turmas.
Co-fundador da Organização dos Trabalhadores Científicos, é sócio activo de instituições científicas e culturais como a Sociedade de Geografia de Lisboa, na qual foi inserido como vogal da Secção de Geografia Matemática e Cartografia, ou como a Associação Portuguesa de Escritores, sendo nesta membro efectivo da Direcção.
Integra e coordena habitualmente júris de prémios literários de âmbito nacional e internacional.
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FICHA TÉCNICA
Livro: Notas de viagens - Ritmos e mitos
Autor: Fernando Miguel Bernardes (com texto introdutório de José d'Encarnação)
Ilustração da capa: Síria (fotografia da autoria de Fernando Miguel Bernardes, com tratamento de imagem de João Nuno).
Editora: Mar da Palavra - Edições, L.da
PVP: 15,90 €
N.º de páginas: 116
Formato: 14,5 x 21,0 cm
ISBN: 972-8910-71-6 (EAN: 978-972-8910-71-6)
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